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A vocação literária manifestou-se nele precocemente: aos dez anos de idade Sílvio Meira (Belém, 1919 – Londres, 1995) já organizava pequena revista, toda manuscrita, para circular entre parentes e amigos, e aos dezoito anos escrevia o primeiro livro, A Conquista do Rio Amazonas, mais tarde editado pela Record. Aos dezenove produziu o primeiro romance, ainda inédito. Na mesma época publicou, no Suplemento Literário do Jornal do Comércio/RJ, estudo sobre Frederico Schiller, autor de Guilherme Tell.
Este estudo já revelava o fascínio de Sílvio Meira pela cultura alemã, cujo idioma aprendeu bem jovem, aperfeiçoando-o depois na Universidade de Bonn. O perfeito domínio dessa língua permitiu-lhe traduzir Guilherme Tell, de Schiller, ganhando então o Prêmio Odorico Mendes para Tradução da Academia Brasileira de Letras, e a Cruz do Mérito da Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha, a mais alta comenda cultural daquele país, além de aplausos de toda parte.
Posteriormente traduziu Fausto, de Göethe, e também poemas de Brecht, Rilke, Schiller, Göethe, Heine e outros. Forma-se em Direito, em 1947, passando a lecionar Direito Romano na Faculdade de Direito do Pará. Foi também político (deputado estadual por duas legislaturas, inclusive líder da maioria na Assembléia Legislativa). Pertenceu à APL. Publicou mais de vinte livros de vários gêneros: poesia, romance, nos quais enfocava os problemas sociais da região amazônica.
Sílvio Meira integrou o Conselho Federal de Cultura. Possui numerosos títulos nacionais e estrangeiros, entre eles o diploma Al Mérito Acadêmico da Universidade Nacional do México, a Palma de Ouro da Universidade Federal do Pará, o Diploma de Mérito da Universidade Veracruzana do México (como Professor), a Medalha Machado de Assis da ABL, entre mais de noventa honrarias recebidas (medalhas, prêmios, diplomas). Morreu em Londres no dia 31 de dezembro de 1995 e foi sepultado em Belém. Mantém-se vivo, no entanto, o romancista, poeta, jurista, ensaísta, tradutor, pintor, através de sua obra.
Além dos inumeráveis livros de jurisprudência, deixou importantes traduções, romances, poesia. Daremos espaço somente aos de literatura.
Livros: A Conquista do Rio Amazonas. RJ, Record, 1963; A Epopéia do Acre. RJ, Record, 1964; Fausto de Göethe (Tradução do original alemão). RJ, Agir, 1968. Mais 4 ed.; Guilherme Tell de Frederico Schiller (Tradução do alemão). RJ, SNT, 1974; Antologia Poética. RJ, Luna, 1975; Mato-Grande. Romance inédito; Os heróis do Amapá (Fronteiras Sangrentas. RJ); O Ouro do Jamanxin. Romance. Menção Honrosa do Concurso INL/1972. RJ, José Olympio, 1974; Fronteiras Setentrionais – Três séculos de lutas no Amapá. Ensaio. Belo Horizonte, Itatiaia, 1977; Estudos Camonianos e Göethianos. Goiânia, Universidade de Goiás, 1989; Os balateiros do Maicuru. Romance. RJ, Francisco Alves, 1983; e Antologia Poética. 2.ª. ed. revista e aumentada. RJ, Prensa, 1993.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
BELÉM DO PARÁ
Belém, minha cidade, acolhedora e morna,
Frondes verdes quais mãos, em prece, que se enlaçam,
Seus galhos lembram braços longos que se abraçam,
Enquanto o sol sua luz ardente incende e entorna…
Belém – bosque e jardim – onde ainda perpassam
Sombras de heróis cabanos… Bela que se adorna
Com as cores da paisagem agreste que a contorna,
Brancas nuvens no céu, em flocos, que esvoaçam…
Velhas praças sombrias em sonhos mergulhadas,
São góticas arcadas vegetais, molhadas,
Rude templo em que ecoam brandas orações…
Nas copas chora a chuva o choro da saudade,
Leva o vento a ternura quente da cidade
Para aquecer bem longe tantos corações…
VISÕES ANTIGAS*
Quantas vezes, a sós, aos poucos, relembrando,
O tempo que passou da minha infância boa,
Me entrego a reviver, a recordar à toa,
e em tudo que se foi eu fico meditando…
Quantas vezes, então, me lembro da lagoa,
(Onde eu ia brincar…) – os pássaros cantando
O engenho, a casa-grande, um sino soluçando,
E o mugido dos bois que pelo campo ecoa…
Quantas vezes, assim, revejo levantino
O sol que vi nascer no tempo de menino,
Derramando-se em luz além dos coqueirais!…
Relembro o fim das tardes tristes e paradas,
Carros de boi gemendo, ao longe, nas estradas,
E a lua argenteando, à noite, os cajueirais!
CONFISSÃO
Sofredor sempre fui… Trago nos olhos
As chamas de um vulcão desesperado,
Que a bramir e a rugir, nunca domado,
N’alma incendeia recônditos refolhos;
Que, por vezes, explode e mil escolhos
Lança em fogo e lava derramado,
Terra e mares invade.. e amainado,
Faz surgir os penhascos e os abrolhos!
Quem dominá-lo pode? As suas entranhas,
Há milênios crepitam e guardam, em sanhas,
Todo o calor que vibra no Universo…
Dorme, desperta, ruge, se alevanta,
Rompe grilhões, transborda, se agiganta,
Nele, esbraseado, vivo, e submerso!
RESSURREIÇÃO
Eu já morri e renasci muitas vezes,
como um cactus,
que teima em viver,
insiste em viver,
embora lhe falte o essencial:
a água, o adubo, o sol.
O calor do sol, principalmente.
Como um cactus que nasce entre pedras,
cresce entre pedras,
e se julga roseira
e por isso mesmo é capaz de florir,
entre pedras.
* Poema escrito aos 15 anos de idade