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Poeta, contista e cronista, Ademir Braz (Marabá, 1947)militou, durante mais de dois anos, no jornalismo de A Província do Pará, de onde saiu para o funcionalismo público em sua cidade natal. Como jornalista, passou por outros jornais de Belém. Trabalhou como secretário parlamentar na Assembléia Legislativa do Estado, em Belém.
Viveu e conviveu, convive ainda com o drama de sua gente paraoara em uma região maltratada pelas enchentes e pela violência nos campos e nos garimpos. Seus textos pulsam, intensamente, sobre este drama de região tão vilipendiada.
Em 1981 publicou Esta Terra, livro de poesia de pouca divulgação e sofrível distribuição.
Em 1991 venceu o Edital de Literatura da Secretaria de Cultura do Estado com o livro de poesia Encruzilhada do Sol que não chegou a ser publicado.
Atualmente voltou a morar em Marabá.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
A ORIGEM DO HOMEM
A Paulo Fontelles
O homem sangrando espera.
As mãos atadas à costa
a sede dentro do ventre
espera o golpe.
No golfo escuro da mente
a morte uiva no cio.
As mãos atadas à costa
espera o golpe seguinte
espera o urro seguinte
espera o murro cegante
segura o urro entre os dentes
batendo às tontas no muro
feito mor-
cego na luz.
(Sobrevivo? Ah, sobre-
viverei. Devo sobre-
viver. É preciso partir os ossos do
lobo).
FUTURO
A don’Ana, a mãe
Repara bem neste verde, filho. Atenta
para o mistério desse cantar de pássaros
inúmeros.
Procura ouvir
o sussurro mágico dessas
fontes, desses
córregos, desses
fios dágua tão pura e fria.
Repara bem neste verde, filho. Guarda-o
na tua memória. Um dia,
quando eu for semente
que não dá mais frutos,
e os filhos de teu sêmen
perguntarem a ti sobre
símbolos perdidos
(Iara peixe-boi cobra-Norato
açaizeiros castanhais e flores)
e nada mais houver senão o
deserto imenso e nu desta Amazônia,
fala-lhes do verde, das plumas
dessas árvores irreais, desses
fantasmas de bronze que um tempo
se confundiam xavantes xicrins
parakanans, pássaros inúteis.
FLOR DA TERRA
Menina, boca da noite,
noturno apelo na cara,
maria de qualquer silva
espera sempre na porta
do cabaré ou do quarto
que a noite lhe traga a sorte
e entre poucos abraços
o pão soturno do dia.
Na valsa do deus-dará
maria não pára nunca
rolando em cama e xadrez.
Maria, sono sem sonho,
noturna ave sem pouso,
Maria floresce à noite
e some na luz do dia.
Maria de qualquer tempo,
Maria de qualquer preço,
entre cortinas e cores
conhece toda estrada
que leva pra qualquer parte
que leva pra qualquer homem.
Maria sem mais valia
sono suor fantasia
fome alegria alegria.
FLUXOGRAMA
Não me peçam virtudes.
Essas, não as tenho.
Não como se compreende
a virtude: coerência,
rito aceito, sensatez.
Sou insensato, eis tudo.
A cada dia sou outro:
erro com a rosa dos ventos.
Não me peçam fronteiras
nem definições, fidelidades.
Meu olho sangra muros e o Ser
expõe-se ao tempo, tempestades.
Sou hoje aqui e o agora.
Outros serei amanhã e depois
de amanhã o sol revelará
a face que ainda não me sei.
Só quero viver o meu tempo,
consumir-me – sarsa ardente.
Porque é inútil quem não vive
o seu tempo.