Seleção de obras e autores da Graphia Editorial.
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Conhecido, hoje, sobretudo pela obra de ficção ( o romance João Ternura e obras-primas do conto como “A morte da porta-estandarte”, “O iniciado do vento” e “Tati, a garota”, todas adaptadas para o cinema), mas excepcionalmente importante também na contribuição crítica e nos apontamentos existenciais, reunidos por esta editora no livro A Arte de Viver e Outras Artes, de 1994,o legado intelectual de Aníbal M. Machado (1894/1964), mineiro de Sabará, só se completa na face biográfica – no não escrito e apenas vivido, ou antes, convivido – conforme recordam gerações sucessivas de artistas e intelectuais brasileiros que frequentaram a sua casa, na rua Visconde de Pirajá, 487, no bairro de Ipanema, no Rio, entre as décadas de 1930 e 1960, em encontros dominicais que se tornram célebres na vida carioca. Rigoroso com a própria obra, apenas na faixa dos 50 anos, em 1944, com Vila Feliz, divulga em livro a primeira coletânea de contos, reaproveitada, depois, em Histórias Reunidas (Rio de Janeiro, José Olympio, 1959). E João Ternura, romance em que trabalhava desde os anos 20, só aparece postumamente, em 1965.
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[FORTUNA CRÍTICA]
Sobre estudos, resenhas e comentários relativos a obras do autor, ler, na Fortuna Crítica, os artigos de Bernardo Carvalho, Carlos Felipe Moisés e Fábio Lucas.
[ANTOLOGIA]
Do livro A Arte de Viver e Outras Artes (Rio, Graphia, 1994)
GOELDI
(Publicado originalmente em Goeldi, Rio de Janeiro, Serviço de Documentação do Ministério da Educação, 1955)
Certa noite, há mais de vinte anos, numa casinha da Tijuca, chamava-me de fora uma voz irreconhecível no rumor da chuva. Abri de mau humor a janela. As rajadas de vento no rosto e a escuridão impediam-me identificar de pronto o vulto estacionado na calçada. Foi graças a um relâmpago mais demorado que distingui a figura de meu amigo. Sobre os ombros mal protegidos pela capa caía-lhe água das goteiras do chapéu desabado. Outro relâmpago e o seu perfil de ave de rapina desenhou-se mais nítido.
– Pode me receber? Ao menos por um minuto?
– Você, Goeldi? Mas vá entrando! A casa é sua.
A umidade já invadia o embrulho que sacara de dentro do paletó onde o escondera ao abrigo da chuva. Eram os novos desenhos e gravuras que o artista me vinha mostrar.
Depois de meses e anos sem dar notícias, Goeldi reaparecia inopinadamente, sem dizer por onde andara nem que aventuras vivera. Apenas o pacote cheio de desenhos informava como preenchera ele suas horas de solidão.
Se aqui relembro essa reaparição naquela noite de temporal, é porque se dera em circunstâncias que ajudam a definir o perfil moral do homem, a começar pelo tom suave e humilde com que pedira acolhida ao amigo, como se fosse possível a qualquer de seus amigos furtar-se à alegria de abrir as portas a artista de tão alta categoria.
À visão dos trabalhos que começava a mostrar-me, sobrepus então o homem que os havia traçado e gravado: um temperamento impetuoso contido pelo pudor e pela timidez; uma figura que nunca é vista na faixa de luz em que se mostram os outros; alguém que parece não pertencer quase à vida quotidiana, mas que é um côncavo de ressonância para as vibrações do mundo.
Nos primeiros anos de sua vida, sofrera Goeldi a influência física de duas atmosferas quase opostas: a Amazônia e a Suíça alemã; o trópico e as neves alpinas. Desse choque telúrico, experimentado na fase mais delicada da adolescência, resultou para o artista um enriquecimento de impressões poéticas, maior, porque recebidas em campos heterogêneos. Não era apenas a diferença física da paisagem: era também a diversidade humana do meio social.
Em Belém do Pará vivera o menino a infância solta, entre bichos e vegetais sem nome que seu pai, o famoso naturalista Emílio Augusto Goeldi, ainda não havia catalogado; entre pântanos, correntes d’água e peixes estranhos, debaixo de um sol sem obstáculos à expansão de sua claridade; ao passo que na Suíça, a sombra das montanhas, a tristeza dos invernos e mais o espetáculo de uma gente disciplinada, de costumes severos, eram imagens que se chocavam na memória da criança com as outras, ardentes e livres, que trouxera dos trópicos.
Em 1914, durante o seu exílio na Suíça, rebentara a guerra. Esse fato viera carregar-lhe de sombras a solidão. Não que dela participasse diretamente: mas testemunhou-a de perto. A fronteira alemã achava-se ao alcance da vista. De Berna, onde se encontrava, ouvia o constante canhoneio nas montanhas. Punha-se então a cismar coisas tristes, o que fez subir de nível o depósito de melancolia que já se lhe acumulara no fundo da alma.
Goeldi ouviu a guerra. Isso na idade em que seus ouvidos só queriam guardar o canto da passarada amazônica. Essa circunstância exasperou-lhe a sensibilidade.
De Berna seguiu para Zurique; depois, para Genebra, onde frequentou por alguns meses a École des Art et Métiers, daí saindo para o atelier particular de Henry van Muyden e Serge Pahnke. O temperamento rebelde e impaciente não o deixava prender-se muito tempo à aprendizagem regular dos cursos.
Voltando à Berna, fez sua primeira exposição na Galeria Wyss.
Trava conhecimento nessa ocasião com a obra de Kubin, a qual não só lhe abre perspectivas novas, como também o confirma nos caminhos que andava trilhando.
Em 1919 volta definitivamente para o Brasil. Vinha com a alma dividida. No coração, a poesia da infância e a amargura da guerra; nas retinas, a visão recuperada do passado e as imagens atrozes do presente.
Como poderia operar artisticamente a fusão desses elementos contraditórios, senão utilizando o instrumento de que já se tinha assenhoreado? A bico de pena, carvão, nanquim, lápis, corte na madeira, construiria sua linguagem em preto e branco. Com essa linguagem daria expressão à revolta que o comprimia e à vontade de fervor que o exaltava.
Há uma solidão artística que é complementar da solidão moral senão corolário dela. Goeldi, só e incompreendido, duvida de sua arte. É a sua maneira de ser humilde, maneira que nem a força evidente de seus dons revelados nas primeiras criações consegue evitar.
Por outro lado, reinava certa incompreensão do público em relação aos poderes da arte do claro-escuro como uma das formas mais altas da expressão plástica. Eram, entretanto, o desenho e a gravura os únicos meios pelos quais poderia o artista plasmar o seu mundo interior. Seriam eficientes? Essa dúvida o atormentava. Teria sido num desses momentos de depressão que acorrera, em noite de chuva, a pedir estímulo ao amigo.
Um dia, juntou seus trabalhos e enviou-os a Kubin. Todo artista é assaltado às vezes pelo seu duplo, espécie de inimigo íntimo que se mancomuna com adversários invisíveis. Goeldi parecia ter condicionado o seu próprio destino e o de sua arte à resposta do famoso mestre austríaco. Admirava-o, tinha com ele afinidades profundas. A resposta não tardou. Kubin manifestou-se admirado ante a
“riqueza do seu mundo interior, a liberdade e força de imaginação do artista.” “Os seus instrumentos de gravar – dizia ele – tiram faíscas misteriosas e feiticeiras do bloco de madeira.”
Daí por diante, até 1939, fora constante entre ambos a correspondência e troca de trabalhos. Nos desenhos de Goeldi descobrira Kubin algo de “surpreendente e louco”, que o colocava no posto avançado de uma linha em que já se encontravam Munch e o próprio Kubin.
Pode-se avaliar a importância desse estímulo para o artista brasileiro. Um encontro capital. Dissipam-se as incertezas, os colapsos de entusiasmo não se repetem. Sua arte caminhava para a plenitude da madureza.
De novo na Europa em 1930, e mediante recomendação de Kubin para a Galeria Werteheim, em Berlim, figura numa exposição ao lado de Utrillo, Matisse, Waroquier e outros. Expõe em seguida em Berna e Zurique. Sentindo os apelos de outro polo, o Brasil, Goeldi volta ao seu país.
Começa então a prática em larga escala da xilogravura. No trato da madeira resistente, impõe disciplina aos ímpetos de seu temperamento, mas nem assim consegue dominar o seu demônio interior. Trabalha febrilmente, até se lhe calejarem os dedos. É o esforço de abrir brechas de luz na matéria sólida, de animar-lhe a treva interior. Escolhe, para ilustrar, os autores mais próximos de seu espírito – Edgar Poe, Dostoiévski. Ainda espera entrar no mundo de Kafka.
Nem por ter voltado ao artista uma confiança maior na eficácia de seus meios de expressão, a sua visão das coisas se tornou mais otimista. Goeldi só não é irremediavelmente um desesperado, porque tem amor à humanidade e certo apego à vida. Gosta de perambular pelas ruas, fixando tipos, guardando imagens.
A experiência europeia não lhe deixou terminar a experiência brasileira. Talvez até a perturbasse. Ambas entraram porém na composição de sua arte, dando-lhe universalidade humana e pungente.
Seu olhar para as coisas vai carregado de tão intensa força subjetiva que logo as transforma em visão. Visão quase sempre trágica. A imagem quotidiana mais comum – uma esquina de rua, um objeto, alguém passando – Goeldi a transforma em misteriosa presença. O que descobre em cada coisa é a sua substância de poesia, velada pelo automatismo de nossa percepção habitual. Não dispondo de tintas para a expressão pictórica de suas criações, tem que jogar apenas com as linhas, os valores do claro-escuro, as vibrações do traço, e o ritmo das formas. Apenas excepcionalmente emprega a cor nas gravuras, como no “Pescador” e nas ilustrações de Cobra Norato, o poema de Raul Bopp.
Abrindo claridade nas massas de sombra e conduzindo as correntes atmosféricas do céu, graças a milhares de traços miúdos e riscos convergentes que sugerem as direções do vento e da luz – ele atinge graficamente um poder de evocar formas e ambientes que não conseguiria com a pintura. O sensualismo e a musicalidade da cor não se ajustariam ao seu temperamento crispado. Em compensação, o que consegue com o claro-escuro e o traço permite-lhe fixar certos aspectos intraduzíveis por outros meios plásticos.
O conteúdo principal das coisas visíveis encontra-se no mundo invisível de que elas são ao mesmo tempo o sinal e a projeção incompleta. Está atrás. Pelo menos para um artista como Goeldi, habituado a decifrar o ilegível das profundezas que as aparências recobrem. Para ele, a arte abstrata não tem razão de ser; não é preciso criar formas novas; basta elevar ao plano visionário as que já existem, cercando-as de uma auréola de poesia em que perdem a opacidade e entregam o seu mistério.
Mas não é unicamente sob a incidência de tal ou qual luz poética que as coisas irradiam melhor e adquirem valor de símbolo; também pela vizinhança que se lhes dá, pela maneira com que são dispostas na obra de arte. Dir-se-ia que as formas procuram avistar-se com aquelas de que vivem separadas. O famoso “encontro fortuito numa mesa de dissecção de uma máquina de costura com um guarda-chuva” (Lautréamont), reproduz-se indefinidamente na natureza entre objetos-personagens, distribuídos em caprichosa formação.
Goeldi, porém, não precisou ir tão longe na direção do ilógico; seus objetos podem pertencer à mesma família espacial, embora se reúnam em lugares não habituais. Mas veja-se a atitude que assumem, a espécie de conivência na mesma atmosfera insólita! As formas entram num jogo de correspondências misteriosas, conduzido pelo artista com ardor que não exclui a precisão.
O entalhe na madeira exige esforço e paciência. Goeldi fez-se artesão, a fim de que as dificuldades técnicas não lhe retardassem a expressão artística. Prefere trabalhar na tábua, por ser mais dócil do que o topo de madeira. Utiliza as madeiras do Brasil, nas quais encontra melhor rendimento gráfico, segundo a natureza de cada uma.
Sabemos do partido que os grandes gravadores costumam tirar dos veios e filetes do material – o que bem define o caráter específico da xilogravura. A própria madeira responde diferentemente à ação da ferramenta, com sulcos e estrias de ramificações imprevistas. Ao “provocá-la”, entrega-se um pouco o xilógrafo ao acaso; e esse acaso, quando não invalida toda a chapa, reserva-lhe curiosas surpresas. Goeldi, seguido depois por Lívio Abramo, foi o pioneiro da moderna xilogravura no Brasil.
É nas gravuras que descobrimos algumas de suas criações mais tranquilas pelo ritmo geral da composição. Tranquilas, mas não menos misteriosas: basta ver as silhuetas de vultos que atravessam seus espaços noturnos, onde a luz irrompe da escuridão como um grito no meio do silêncio. Exemplo de gravura calma pelo espírito e pela forma é a série dos “Pescadores”, assim como os desenhos “Solidão” e “Gato”. Essas criações fogem à maneira febril do artista. Pausas de repouso dentro do turbilhão. Muitas delas traduzem os momentos de lirismo diante da natureza.
O realismo de Goeldi está sempre de passagem para o fantástico. Quando não seja pelos temas, é pelo tratamento que lhes dá o artista. Às vezes, o simples acréscimo de um elemento estranho produz essa sugestão. Veja-se, por exemplo, a “Tempestade”: numa paisagem de céu, mar e praia, entra um peixe enorme e imprevisto que centraliza a visão e transfigura subitamente o realismo do desenho. Goeldi caminhou assim para um realismo mágico.
A ele não interessa a aventura plástica e a invenção de formas; o que faz é dar visão nova às coisas existentes, sem utilizar-lhes todos os elementos, mas organizando-as sob uma luz subjetiva tão forte que o que possa haver nelas de anedótico, em vez de atenuar, reforça a impressão do conjunto.
Seu “expressionismo” não obedece a formalismos e artifícios de escola: é exigência do temperamento. À rapidez do impulso criador corresponde a dinâmica do traço. Assim, reduz-se ao mínimo o espaço de tempo entre a concepção e a realização artística, o que põe a obra mais perto de sua fonte viva.
Se o artista imobiliza as figuras, paisagens e coisas, é no momento mais tenso da presença delas. Eliminados os detalhes mortos, as marcas não significativas – reponta entre os traços essenciais a estrutura interior, fantasmagórica e triste. Se algum ser vivo atravessa a paisagem é para torná-la mais desolada ainda. Goeldi procura fixar a alma das coisas em colóquio mudo com a sua.
Algo de noturno emana constantemente de suas gravuras – sugestão que deve ser efeito do fundo negro onde se rasgam os cortes de luz. Quando a claridade solar inunda o espaço, como no desenho “Tensão da Atmosfera” ou no “Recanto Abandonado”, há um tom sobrenatural que é constante nessa obra. Algo de sinistro ou vai acontecer, tornando as coisas suspensas na expectativa, ou já passou por elas, deixando-lhes marcas e erosões da catástrofe.
Atentai nessas casas e ruas. Parecem também sonhar como as de Utrillo. Mas enquanto as de Utrillo exalam o romantismo da velha Paris ou de alguma aldeia francesa, as de Goeldi impõem com as suas estruturas assimétricas e suas sombras na fachada, um silêncio de mau agouro e crime. Certamente, o emprego do claro-escuro e as suas modulações ajudam a obtenção desse efeito.
Os urubus pousam nos telhados ou no chão pantanoso – os mesmos urubus que ficaram na retina do artista, quando de sua infância no norte do país; algum vulto atravessa a praça deserta; as janelas esperam a aparição do fantasma. Nas casas de Utrillo dormem e sonham os moradores; nas de Goeldi já não mora mais ninguém e elas apodrecem. Suas paredes são tocadas de uma lividez de morte.
Desde que, pelo envelhecimento ou pelo desuso, perdem os objetos a sua função prática, a presença deles ganha um ar de aparição. Vivem vida póstuma e alusiva. Quase como personagens.
Se a vida alguma vez sorri para a solidão de Goeldi, o artista jamais sorri para a vida. Se acaso parece fazê-lo, é tristemente, quando ela lhe mostra os aspectos cômicos de seu repertório. E com que pungente ironia!
Goeldi sabe que o drama da vida imprime sinais de suas devastações não apenas na máscara e no corpo do homem; mas também na casa que habita, nos objetos que utiliza.
Se deforma até ao grotesco as figuras, é como quem lança o anátema contra as condições sociais que as descaracterizam.
Sua sátira não tem a majestade e truculência de Daumier, nem é cortante como a de Grosz. A rigor, não é um satirista. Há nele uma tendência contemplativa que lhe dissolve o impulso agressivo em fervor poético. O lado grotesco de sua arte não busca o episódico, atinge logo o fundamental; parece querer, assim, mostrar o próprio absurdo da condição humana. O ódio, a vaidade, a luxúria vão além do limite fatal.
Eis, em estado de esqueleto, as personagens deste mundo: com as insígnias da terra, a indumentária dos salões e do trabalho; ainda a discutirem, brigar, passear e tirar fotografias. A morte prorrogou-lhes o prazo: poderão repetir atitudes da vida extinta, sem direito, porém, ao revestimento carnal. Uma concessão à sua clientela. A “Última Discussão”, a “Rixa”, o “Vendaval”, o “Sinaleiro”, com o céu revolto, e essa espantosa mulher empenhada em fazer para o último fotógrafo o seu melhor e derradeiro sorriso – organizam a pantomima de esqueletos com que o artista retoma, com novo espírito, uma tradição medieval de que Goya e James Ensor foram os últimos grandes continuadores.
Um grafismo nervoso ajuda a expressão moderna desse “humor negro”, que aqui se torna libertador pela “faculdade de reação paradoxal ultradesinteressada que supõe”.
As paisagens mais calmas acusam uma dramaticidade contida, assinalada pelos valores explícitos da luz e da sombra em exasperantes combinações.
Nos céus, a luz ora irrompe do entrelaçamento múltiplo das linhas, ora se expande em suave difusão do claro-escuro. No primeiro caso, são céus explosivos em turbilhões de claridade que lembram os de Van Gogh e fazem vibrar as coisas da terra; outras vezes, são manchas esponjosas e cinzentas que aumentam o sinistro da atmosfera, como no “Sinaleiro”. Num desenho de interior como o “Mercado”, a luz ganha transparência submarina. Na pincelada a nanquim dá o artista a medida da espontaneidade fluída do seu traço, quando este vai ritmando a marcha acrobática do “Vagabundo” com o seu cão parado atrás.
A produção numerosa desse artista é difícil de ser apreciada em conjunto, pela dificuldade de reuni-la em publicação que dê ideia de sua força e variedade. A maior parte anda esparsa em jornais, livros e revistas, ilustrando textos; outra parte encontra-se nos museus da Europa e dos Estados Unidos, ou em coleções particulares.
Isolado numa solidão que tantas vezes o levou aos limites do desespero e possuindo a linguagem capaz de traduzir as formas do seu sonho, Goeldi viveu equidistante das correntes estéticas e de suas variações. Não que lhe faltasse o gosto de outras experiências artísticas, mas porque trazia consigo um mundo interior imenso, e tinha aprendido os meios de exprimi-lo. Desenhando e gravando há mais de trinta anos, esse mestre do traço e do claro-escuro não faz mais do que servir às exigências do seu talento e obedecer à força de sua sinceridade.
Não teve pressa em impor ao público a sua obra, na qual trabalhou toda a vida com silencioso fervor. Sua notável contribuição à 1ª Bienal de São Paulo, em 1951; no ano seguinte, à exposição na Galeria Tenreiro, do Rio de Janeiro; e finalmente, à exposição em Montevidéu, a convite da Comissión Nacional de Belas Artes do Uruguai, tornaram-no familiar ao grande público, que hoje reconhece em Goeldi a mais forte afirmação, entre nós, da arte da gravura.