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Sobre autonomia nacional, citando Nelson Werneck Sodré, in: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17/12/1995, p. 13.
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INDEPENDÊNCIA E VIDA
Barbosa Lima Sobrinho*
Na peroração de sua Oração aos moços, talvez o último de seus discursos, dizia Rui Barbosa, aos estudantes de direito da Faculdade de São Paulo: “Agora, o que a política e a honra nos indicam, é outra cousa: não busquemos o caminho de volta à situação colonial. Guardemo-nos das proteções internacionais. Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das potências absorventes e das raças expansionistas. Não nos temamos tanto dos grandes impérios, já saciados, quanto dos ansiosos por se fazerem tais, à custa dos povos indefesos e mal governados. Tenhamos sentido nos ventos, que sopram de certos quadrantes do céu. O Brasil é a mais cobiçável das presas e oferecida, como está, incauta, a todas as ambições, tem, de sobejo, com que fartar duas ou três das mais formidáveis.
“Mas o que lhe importa é que dê começo a governar-se a si mesmo; porquanto nenhum dos árbitros da paz e da guerra leva em conta uma nacionalidade adormecida e amenizada na tutela perpétua de governos, que não escolhe. Um povo dependente no seu próprio território e nele mesmo sujeito ao domínio de senhores, não pode almejar seriamente, nem seriamente manter a sua independência para com os estrangeiros.
“Eia, senhores”, continuava Rui, e apelava: “Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre nação explorada! Brasil de ontem e amanhã! Dá-nos o de hoje, que nos falta.” E para concluir, este apelo final de sua peroração: “Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia; mão à obra da nossa reconstituição interior; mãos à obra de reconciliarmos a vida nacional com as instituições nacionais; mãos à obra de substituir pela verdade a simulação política da nossa existência entre as nações. Trabalhai por essa que há de ser a salvação nossa. Mas não buscando salvadores. Ainda vos podereis salvar a vós mesmos. Não é sonho, meus amigos: bem sinto eu, nas pulsações do sangue, essa ressurreição ansiada. Oxalá não se fechem os olhos, antes de lhe ver os primeiros indícios no horizonte. Assim o queira Deus.”
Um quadro de dependência que dia-a-dia se agrava e se deteriora, com alguns momentos de reação, de que parece arrepender-se o Estado. Como, no governo de Minas Gerais, Artur Bernardes reagia contra as arremetidas da Itabira Iron e de Percifal Farquaha, para reduzir o Brasil, com as suas minas prodigiosas, à situação de mero exportador de ferro para as siderúrgicas estrangeiras. Não obstante o esforço de Alberto Torres, para que o Brasil se integrasse no grande trabalho de uma nação poderosa, no aproveitamento de suas imensas riquezas. Por sinal que, nesse aspecto, nunca se calaram vozes brasileiras, nessa luta de sempre, com os interesses que vinham buscar aqui o que o destino não lhes oferecera. Como no tempo do Iseb, com Roland Corbisier e seus companheiros. Como na presença de Nelson Werneck Sodré, com seus livros magistrais. Com Getúlio Vargas na grande campanha para a instalação de Volta Redonda, em que teve de enfrentar a presença da United Steel e de ameaçar com uma aliança com a Alemanha nazista, para acordar Franklin Roosevelt e convencê-lo de que o capitalismo dos Estados Unidos nos estava empurrando para o lado espúrio do nazismo.
Regime esse que vinha governando a Europa e levara Getúlio Vargas à ideia da criação de Volta Redonda, para abrir caminho à grande siderúrgica, sempre e sempre iniciativa do Estado, que nunca dormira no ponto, com os pequenos fornos da iniciativa privada. Dividido, assim, o campo, a iniciativa privada com os fornos, em que já se destacava a presença estrangeira, com a Belgo Mineira. A grande siderúrgica surgiu com a presença e a iniciativa do Estado, com Volta Redonda, com Usiminas, com as siderúrgicas instaladas em São Paulo. O que explica e se comprova com o grande livro de Osny Duarte Pereira, “Ferro e Independência”, que é uma resposta definitiva aos que deturpam fatos, em procura de lucros fáceis. Um livro sobre o qual Nelson Werneck Sodré nos avisou, com a sua grande competência: o leitor vai encontrar “um flagrante da atualidade brasileira”, assumindo a forma de um libelo, cuja culpa não cabe ao autor que simplesmente arrolou os fatos e deu-lhe a forma sistemática, que permite a compreensão. E continua: “É um libelo que pertence a todos nós, ao autor e aos leitores, a cada brasileiro. Desnuda, com rigor, um dos tais terríveis atentados já cometidos contra os interesses brasileiros.”
E ainda não chegamos ao petróleo e ao grande pioneiro, que foi Eusébio Rocha. E não somente Eusébio Rocha, como todos os brasileiros que integraram a campanha do Petróleo é nosso, e que nos deixou não apenas exemplos de grande patriotismo, com os livros que, como os de Mário Victor, e tantos outros, que honram a inteligência e o patriotismo dos brasileiros. E que agora se procura atribuir às iniciativas privadas, quando foi, antes de tudo, uma campanha do povo brasileiro, iniciada em 1947, e que só terminaria seis anos depois, com a criação da Petrobras, uma empresa pública que conquistou um dos maiores prêmios com a exploração do petróleo em águas profundas, em Houston, nos Estados Unidos, com o Distinguished Achievement Award, considerado conquista de Prêmio Nobel, no domínio das explorações petrolíferas. Num tempo em que a Petrobrás alcançava a profundidade de 700 metros em águas profundas quando hoje sua tecnologia alcança uma profundidade superior a mil metros, como índice do aperfeiçoamento de seus estudos, num pioneirismo que a destaca entre as melhores empresas exploradoras do petróleo em águas profundas.
Daí a verdadeira consagração que a Petrobrás conquistou na Assembleia Constituinte de 1987-1988, quando obteve a aprovação do artigo 177 da atual Constituição por meio de uma votação que valia pela unanimidade da assembleia, nada menos de 441 votos num total de pouco mais de quinhentos membros, com apenas sete votos contra e seis abstenções. Em qualquer nação, esses números seriam demonstração de independência e justificariam até mesmo manifestações de orgulho, como demonstrações de dignidade e de firmeza de consciência nacional.
No Brasil, acontece exatamente o contrário. Bastaram sete anos para o que então parecia demonstração de dignidade nacional se transformasse em sinal de arrependimento, para obrigar o Congresso a um recuo surpreendente, para obter, de certo, em votações menores, uma simples maioria, para revogar o que havíamos conquistado com a quase totalidade da Assembleia Constituinte.
É a esse espetáculo que estamos assistindo neste momento, quando, na verdade, reiniciamos a independência nacional, tão nobremente comprovada com uma votação espetacular de 441 votos por uma coincidência o mesmo número de votos com que votamos impeachment de um presidente da República, que não respeitara as demonstrações de dignidade da Assembléia Constituinte.
Nem foi preciso tanto tempo. Bastaram sete anos para inverter uma votação que dignificara a nação brasileira, como demonstração inequívoca dos sentimentos de independência nacional. Os partidos políticos esquecem seus programas e procuram conquistar prêmios de humildade e de subserviência.
Seria o caso de trocar o lema glorioso de nossa história, de Independência ou Morte, por outro, muito mais verídico, de Independência e Vida.