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Mistura de índio com português, espanhol, certamente com um pé na África e outro nos países eslavos, real mistura de raças, Deolinda Vilhena (Belém, 1959) é uma típica brasileira. Filha de um pai engenheiro que abriu as portas para o sucesso na babel paulistana, na perfeita definição do amigo e escritor Alfredo de Oliveira. Muitas andanças: Belém, o porto primeiro; Santos, o porto da espera; Rio, o porto final. Entre um e outro, muito correr nas ruas, muito brincar com moleque e ser também moleca, muito piquenique em beira de rio, muita leitura (de Monteiro Lobato aos clássicos poetas brasileiros, mais Sartre, Dostoiévski, Lorca, Neruda, Marx).
Muita música, herança do avô paterno, maestro e um dos fundadores da Orquestra Sinfônica do Pará que, não conseguindo viver da música, durante parte da vida fez-se alfaiate e assim criou onze filhos. Mas velho Saul deixou na Autora o amor às artes e, segundo ela, a tristeza de não ter vocação para nenhuma delas. Tentou violão, piano, dança, pintura, mas nada… Restou a poesia. No teste vocacional, deu lá: jornalismo e teatro. Foi o que definiu seus caminhos, para tristeza da família que a queria “doutora”, sem entender que ela queria apenas ser doutora na arte de viver. Segundo o pai, escolheu ela sempre os caminhos mais difíceis, no prazer desse descompromisso com o mundo, sem se arrepender de nada.
Aos quinze anos aconteceu Maria Della Costa em sua vida. Entrava assim para o teatro pela porta da frente. Hoje está na carteira profissional: jornalista, diretora de produção, secretária teatral e secretária de frente. Com Maria Della Costa e Sandro Polloni fez A Mala e Agora eu conto. Depois, com Rosa Maria Murtinho, A Fila. Com Beyla Genauer, Maria Lúcia Dahl, Thelma Reston e Thais Portinho: Unhas e Dentes. Considera grande momento em sua vida profissional o encontro com Clara Nunes e o show Clara Mestiça, onde atuou dois anos como secretária particular e assessora de imprensa, até que a morte as separasse. Outro momento maior: Bibi Ferreira e a emoção de Piaf, onde foi secretária de frente na turnê Norte-Nordeste a convite da própria Bibi.
Através de Bibi o contato com Pedro Rovai, que reforçaria a profissional que Sandro a fez. Daí vieram: As Is com Carlos Augusto Strazzer e Rodrigo Santiago, assim como Gatão de Estimação com Cecil Thiré e Cláudia Raia. Depois administrou a Sincrocine Produções Cinematográficas do próprio Pedro Rovai. Resolveu ser free outra vez, retornando à poesia, com breve espaço para fazer uma produção, outra vez ao lado de Cecil Thiré: Seja o que Deus quiser. Outra pausa em teatro, para entrar pela primeira vez numa redação de jornal, pelas mãos de Hildegard Angel. Durante oito meses foi assistente de sua coluna diária no hoje extinto jornal Última Hora. Depois, durante dez meses foi assessora da coluna semanal de Nina Chaves em O Globo. Divulgou os espetáculos de Wolf Maia.
Fez outros trabalhos, onde atuavam Eva Todor, Hélio Ary, Ida Gomes. Relançou Na Sauna, com Luiza Thomé, Cláudia Jimenez, Françoise Fortoun, Jalusa Barcellos, Sura Bertchevsky e Estelita Bell, direção de Bibi. Trabalhou também com Sylvia Bandeira, Rubens de Falco, Jonas Bloch. Trocou O Globo pela Última Hora, fazendo colunismo social, sem entrar em conflito com suas idéias marxistas. Deixou o colunismo por tempos, para fazer o lançamento de Um e Outro com Ítalo Rossi. Trabalhou com Reginaldo Faria. Paralelo a isso, fez assistência de direção de Bibi Ferreira em Meno Male, de Juca de Oliveira. Dois livros publicados: Pensando ter vivido o que não vivi (1980) e Brincando de ser (1990) – ambos poesia, Rio, edições da Autora.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
(FRAGMENTO)
Estou mais amarga, mais sofrida
mais feliz porque isso é sinônimo
de que estou viva.
Estou deixando de querer
os bares da moda,
a bebida e a erva
que afogam mágoas
porque descobri
que a mim é que afogam.
Estou querendo Angra sem a usina,
estou querendo saber querer
da ruína o que me está destinado.
(SEM TÍTULO)
Não adianta eu querer
fazer poesia
se ela não quer,
nada faz com que
a mim ela se alie
e teimosa fico insistindo,
sabendo bem que a esta hora
da minha cara ela está rindo…
E digo então,
tristeza infinita,
minh’alma não canta,
meu ser chora e grita,
e eu me pergunto
meu Deus
por que não nasci Florbela Espanca?
(FRAGMENTO)
É bem verdade
que somos do ar,
mas meu ar é mar
e o teu é terra,
o meu ar é vasto, profundo,
o teu ar é abismo, cratera.
O meu ar envolve,
o teu ar revolve
e me faz cega.
(SEM TÍTULO)
Quando a carência aperta
o coração se encarrega
de dar vida à fantasia
que na cabeça do poeta
muitas vezes nasce
e até se cria.
Não é nada que se desmereça
só que a verdade é colocada
completamente às avessas.
No entanto
antes que algum mal aconteça
coração desfaz a farsa
e descubro então
que aquele amor brilhante
não é mais do que maré vazante
e a ardente paixão
é apenas ledo engano,
alarme falso
do meu já cansado coração.