Seleção de obras e autores da Graphia Editorial.
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Eneida (Belém, 1904 – Rio de Janeiro, 1971), como Eneida Vilas Boas Costa – ou, depois do casamento, Eneida de Morais – era conhecida e gostava de ser chamada, assim assinando suas crônicas, começa os estudos em Belém, curso primário. Com a mãe Júlia Vilas Boas Costa e uma governante francesa aprende francês. Sai de Belém, para ser interna no Colégio Sion, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Neste Colégio, recebe a notícia do nascimento da irmã Nereida, anos depois de nascidos seus irmãos Guilherme e Manoel Guilherme. Enciumada, comunica que vai ser freira. Preocupada, a família providencia sua volta à terra natal. Com treze anos, entra para o Ginásio Paes de Carvalho, tornando-se colega então de Peregrino Júnior. Em 1919, morre-lhe a mãe Júlia, maior amiga e confidente, vítima da gripe espanhola. Essa morte muda sua vida. Rebelando-se contra o pátrio poder da autoridade paterna, luta pela emancipação, que lhe é negada. Faz os estudos preparatórios no Colégio Gentil Bittencourt, estudando depois Odontologia, não por vocação, mas para ter um diploma de escola superior e independência financeira. Com vocação para letras, música e poesia, cedo colabora nos jornais e revistas, principalmente A Guajarina, na primeira fase. Ajudou a fundar A Semana, da qual foi secretária. Escrevia crônicas e fazia versos, compunha letras para carnaval.
Em 1921, casa-se, tendo dois filhos: Léa e Otávio Sérgio, passando a chamar-se Eneida de Morais. Em 1925 viaja para o Rio, a passeio, e na redação da revista Para todos, da qual era colaboradora, conhece Eugênia e Álvaro Moreyra. De volta a Belém, dedica-se à poesia e ao jornalismo, passando a escrever em O Estado do Pará, fazendo crítica literária. Publica o primeiro livro, Terra Verde, em Belém, pela Livraria Globo, 1929, de poemas amazônicos, antes publicados em jornais e revistas. Colabora na Revista Antropologia, de Raul Bopp. Em 1930, homenageada por participação em todos os movimentos literários do Estado, por um grupo de intelectuais do Pará e do Amazonas, liderados pelo escritor Raimundo de Morais, recebendo o prêmio Muiraquitan. Separada do marido Genaro Baima de Morais, e desquitada, vai viver no Rio, adotando só Eneida como nome literário. Abandona a poesia, dedicando-se apenas à crônica e ao conto.
Em 32, seduzida pelo socialismo, ingressa no Partido Comunista, toma parte de diversos debates, através da imprensa escrita, e vai presa durante quatro meses. É solta, volta a ser perseguida como comunista. Mais tarde, voltando de São Paulo ao Rio, mora no mesmo edifício de Manuel Bandeira. Em 36, é novamente presa, tendo como companheiro de prisão Graciliano Ramos, que a menciona em Memórias do Cárcere. Solta, trabalha em jornais, revistas, como cronista, articulista política, repórter e tradutora. Até 46 é presa onze vezes e perde vários empregos. Em 50 vai à Europa, fixando-se em Paris, de lá escrevendo colunas do Diário Carioca, Diário de Notícias, Sombra, depois Jóia, Senhor, Manchete e outros. Faz parte da fundação da UBE/RJ. Por vinte anos assina, no Diário de Notícias, a coluna “Encontro Matinal” (crônica). Publica Cão da Madrugada. Crônicas. RJ, José Olympio, 1954; Alguns Personagens. Uma novela e cinco reportagens. RJ, MEC, 1954; Aruanda. Crônicas memorialistas. RJ, José Olympio, 1957. Carnavalesca, ainda em 54 idealiza o “Baile do Pierrô”, famosa festa para artistas e que durou até 66. Entre livros que ficaram inéditos, publicou História do Carnaval Carioca (RJ, Civilização Brasileira, 1958). Viaja à Rússia, Tchecoslováquia e China, publicando Caminhos da Terra. Relato dessas visitas aos países socialistas. RJ, Antunes, 1959; História dos Bairros – Copacabana. Crônica histórica, em parceria com Paulo Berger. DF, DHDP, 1959; Romancistas também Personagens. SP, Cultrix, 1962; Banho de Cheiro. RJ, Civilização Brasileira, 1962, considerado o melhor livro; Boa Noite, Professor. RJ, Civilização Brasileira, 1965. Morre em 27 de abril de 1971, no Rio, sendo a seu pedido enterrada em Belém.
BANHO DE CHEIRO
– Hum, a senhora está rindo?
Está caçoando da mulata velha?
Então por que veio me procurar? Não acredita
porque é moça e bonita,
mas quando for ficando velha, vai acreditando.
Depois você precisa disso tudo! Menina,
a inveja pode até matar a gente…
Quantos casos – quantos! – eu vi de moças bonitas,
que um dia começaram a dar pra trás,
e ficaram – coitadas – umas infelizes pelo mundo afora!
Os santos sozinhos não fazem milagres…
Deus disse: “faz que eu te ajudarei”.
Ouça um conselho, menina: Faça!
Olhe: compre priprioca e tome sempre no seu banho
de patchuli e pau de Angola…
quando alguém se afastar de si,
tome um banho com essa batata de “vai e volta”…
Se a pessoa não voltar, cuspa-me na cara…
Quando quiser prender para toda a vida alguém,
ponha carrapato nos seus banhos de cheiro…
É uma beleza!
E cachorrinho pra amansar?
– Escuta, minha velha, o banho da Felicidade,
como é? Como se faz?
– O banho da Felicidade?
Tome às sextas-feiras, ao meio-dia,
catinga de mulata, mangerona,
bergamota, pataqueira, priprioca,
patchuli, cipó catinga, arruda,
cipó uyira, baunilha e corrente…
Ponha isso pra ferver
e depois de estar frio, tome o banho…
Ah, menina!
a felicidade vem que vem bonita…
Há muitos banhos bons:
o banho pra arranjar namorado,
pra ter sempre dinheiro,
pra inveja não pegar,
pra os maus olhados não fazerem mal à nossa vida.
– E quanto custa um banho desses, você preparando?
– Por 5$000 eu lhe dou um banho e tanto…
Ninguém será mais feliz e mais querida que você…
Tome, minha menina…
Tome sempre seu banho de Felicidade.
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Banhos de cheiro da minha terra…
A felicidade que custa 5$000…
As folhas verdes que nos podem dar
aquilo que o destino nos negou…
a Felicidade…
A Felicidade que a mulata Sabá vende no mercado…
banhos de cheiro do Pará.
DESLUMBRAMENTOS TOCANTINOS
(fragmentos)
IV
Uma canoa pequenina,
bonitinha,
pintadinha de verde…
O seu nome era um sorriso: “Vim beijar-te”.
E eu perguntei ao caboclo,
que remava, sorrindo:
– Por que puseste esse nome?
E ele orgulhoso, feliz:
– Porque gosto de beijo e acho bonito.
V
A árvore de açaí balouçava-se ao vento…
e pendurado, um cacho da frutinha
estava a amadurecer…
O caboclo olhando-a disse maravilhado:
– O açaí está se vestindo de luto!
(porque é negra a fruta madura do açaí).
E eu encantada
murmurei para minh’alma:
– Poeta… poeta… poeta…
BAILARINAS
Vem aí a Festa!
A festa que põe alvoroço no coração do povo humilde,
a festa que toca no coração do povo nobre…
A festa de Belém inteira,
a maior festa do Pará.
N. S. de Nazaré. É em outubro.
E por um velho costume,
a municipalidade manda pintar de branco
o tronco das mangueiras da cidade.
As lindas mangueiras de Belém…
Quando todo mundo se prepara para a festa religiosa
as mangueiras,
assim pintadas de branco,
parecem bailarinas pagãs,
de braços erguidos para o alto,
dançando… dançando…
enquanto o vento vai tocando sua canção…
Bailarinas presas ao chão,
de gestos largos, graciosos e lindos,
de gestos infinitos…
As mangueiras são as bailarinas elegantes da cidade.
Bailarinas de saias brancas e corpetes verdes…
Bailarinas da volúpia do vento…
Namoradas do Sol…
Amantes da Lua…
Mangueiras lindas…
Bailarinas verdes de Belém!