Seleção de obras e autores da Graphia Editorial.
Todos os posts na categoria Olga Savary
Poeta, contista, tradutora, ensaísta, Olga Savary é paraense de Belém, e alterna a literatura e o jornalismo com uma vida fecunda de agitadora cultural.. A sua obra poética está coligida em Repértório Selvagem (Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional/Multimais, 1998) que reúne os doze livros de poesia que antecederam Berço Esplêndido (Rio de Janeiro, Palavra & Imagem, 2001). Publicou dois livros de contos – O Olhar Dourado do Abismo (Rio, Impressões do Brasil, 1997) e Contos de Paixão e Espanto (Rio, Bertrand Brasil,2001) – e tem um importante trabalho de tradutora, especialmente de autores latino-americanos, como Pablo Neruda , Octavio Paz, Mario Vargas Llosa e Julio Cortazar.
***
Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001)
POESIA
Como um pássaro
a noite não é tua
mas nos dias
– curtos demais para o voo –
amadureces como um fruto.
Tuas asas seguem as estações.
É tua a curvatura da terra.
Pássaro: metáfora do poeta.
VIDA
Vida é o som
do não, do sim, da pata
do poeta: acrobata.
POESIA
Onde começa e acaba
estando em tudo e em nada
estar na origem: água.
MIRAUIÚ*
Indara em tupi é meio-dia.
Iaciçuaçu é lua cheia
ou como eles dizem: lua do rosto grande.
Icipirêra: lua minguante ou casca de lua.
O que prosaicamente diríamos chove,
para eles: o kyr amana = desabam as nuvens.
Tanta poesia assim não me é difícil
amar um índio, dono da terra, água.]
Inda mais eu que nem sei meu nome.
ANIMA ANIMALIS:
voz de bichos brasileiros
Cavalo
Dizendo de mim
“dos animais, o mais belo”
é não ver poeta.
Urubu
Carniça é morte e vida
que alimenta o meu voar
do chão até a nuvem.
Tamanduá
Cada dia a língua
do desejo reinventa
cupins e formigas.
Lobo-Guará
Do meu alvo esperto
de longe nem chego perto
desconfiado e alerta.
Beija-flor
De esperança homens usam
minhas asas de metáfora:
polinizo liberdade.
Touro
De sonhar alfombra
coalho na sombra a ter tempo
de ruminar pensamento.
Bode
Meu outro nome? Fauno.
Não ofendo, homenageio
donzelas na mata.
Sapo
De girino a encantado,
onde está meu vero ego,
beijo príncipe me fará.
Peixe
Vi o rio nascer
da minha guelra e nela
armadilho o mar.
Jacaré
Jacaré de rio,
do rio Amazonas
e seus afluentes
ao Paracatuba
do belo Pará,
faço tremer o chão
sob os vários pés.
Rujo igual leão,
urro como touro,
desafio à luta
tudo quanto é macho.
Sobrevivo às eras
no sul da América
do Norte, no norte
da América do Sul
e ao longo do vale
do rio chinês Yang-Tse.
Por quê só em lugares
tão distantes um do outro
ninguém explica ou só
a Pangéia é que explica,
é enigma, mistério
de jacaré.
ENTRE ERÓTICA E MÍSTICA
Antes que me esqueça, Poesia,
com as palavras não só combato:
durmo com elas.