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Raimundo Alberto Guedes Fernandes (Belém, 1944) é, além de poeta, ator, diretor e autor teatral, com o bacharelato em Literaturas Brasileira e Portuguesa pela UFRJ. Concluiu os estudos secundários em Belém, no Colégio Paes de Carvalho (1959), época em que participou de atividades culturais no grêmio estudantil e no Círculo Cultural dos 30. Nessa associação literária conheceu o diretor Cláudio Barradas, que o convidou para integrar o elenco de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna (1962). Em 65 participou de algumas montagens da Escola de Teatro da UFPA e, no ano seguinte, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde veio a concluir, em 1968, o curso de Interpretação do Conservatório Nacional (atual Faculdade de Artes Dramáticas da UNI-RIO). Além de experiências como diretor e ator (atuou na premiada encenação de A Construção, de Amir Haddad, 1969), dedica-se à dramaturgia, com cerca de 30 peças escritas, várias delas encenadas, inclusive com prêmios em concursos e festivais, como: Os Mansos da Terra, direção de C. Barradas, e Mãe D’água (Montagem de Geraldo Sales, que representaram o Pará, com grande sucesso, no Projeto Mambembão, anos 79 e 81); O Campeonato dos Pombos, premiada e editada pelo antigo Serviço Nacional de Teatro; Lingüiça de Sapo; Será Que Você Foi Convidado?; A Última Pastorinha e outras.
Sua obra de montagem mais recente foi Os Homens e os Lobos (Rio, 2000). Vários dos seus textos inéditos têm sido apresentados em leituras públicas dramatizadas, tais como as do projeto Gavetas Abertas, que ele próprio criou e coordenou, de 1997 a 1999, na SBAT. Está organizando, atualmente, a publicação de seu primeiro livro de poemas.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
NOITE AMAZÔNICA
Minha tristeza sem pranto
meu pranto sem qualquer lágrima
que canoa me transporta
nesse rio de tanto barro?
Que remos me vão remando
na maresia tão morta
desta vida em desencanto?
Em que barranco me esbarro
se a vida não mais comporta
nem a tristeza nem pranto
dos que só fazem chorar?
Que noite cheia de gritos
das matas me quer matar?
Fartei-me de ver estrelas
De vê-las, mas sem olhar
O mundo é rio no minguante
a vida é remo sem rumo
o vento é frio e cortante
é dar-me ao fundo ou remar
em busca de um mar distante
Nessa fraqueza e sozinho
(sozinho dentro mim)
vou sem amor nem da Lua
vou indo assim por assim
Talvez um dia me afogue
ou então busque um trapiche
talvez me perca na noite
quiçá me abrace com o mar
talvez o amor das estrelas
quem sabe nem mais amar
Bem sei que o remo é caminho
bem sei que o barco é lutar
é questão de buscar d’alva
para com a Dalva dançar
é questão de roupa nova
para no porto chegar
sentir meus pés n’algum solo
e então me pôr a marchar
Ó vento que vem das matas
ó aves sobrevoantes
trazei meu lado distante
achai meu lado perdido
uni-me não no que sou
mas no que pode meu ser
antes que venha outra noite
de meu todo se perder
DECRETO
Se for este o país
em que nossos filhos crescerão
seremos genocidas
Se for esta a terra
em que nossos filhos aprenderão
a ver
extrairemos seus olhos
Se for este o mundo
em que nossos filhos amarão
extirparemos seus sexos
Se for este o universo
em que nossos filhos se tornarão
humanos
iremos para as selvas
e os ensinaremos a
caçar com as mãos
pescar com os dentes
amar em céu aberto
sem medo das estrelas
e da noite
Se temos pés, no entanto
para carregar nossos filhos
marchemos
e braços
lutemos
contra os monstros que ejacularam
em nosso sangue
os semens do terror
e da desesperança
(De uma carta para Marily Velho, 1968)