Todos os posts na categoria Sânzio de Azevedo
Sobre o livro Rimas, de José Albano (Rio, Graphia, 1993). In: Colóquio-Letras, Lisboa, abril-setembro 1994.
***
RIMAS, DE JOSÉ ALBANO
Sânzio de Azevedo
Esta terceira edição das Rimas, de José Albano, à qual se acrescentaram perfis biográficos, estudos críticos e bibliográficos, com fixação do texto poético e variantes por Luciana Viégas e introdução de Bernardo de Mendonça, surge nos setenta anos da morte do poeta, ocorrida em França, no ano de 1923.
Tendo estudado na Inglaterra, na Áustria e em França, José d’Abreu Albano, nascido em Fortaleza, em 1882, apesar de haver, por duas vezes, residido em sua terra, passou a maior parte da vida entre o Rio de Janeiro e a Europa, numa angústia de eterno inadaptado. Versando vários idiomas, o português de sua predileção não era porém o de seu tempo (o do Pré-Modernismo), e sim a língua de Camões: “Sempre e sempre te eu veja meiga e pura/Naquela singeleza primitiva / Naquela verdadeira formosura / Que farei que no verso meu reviva.” É o que diz na “Ode à Língua Portuguesa”, editada num mesmo opúsculo com a “Caçam a Camoens” pelas Oficinas de Fidel Giró, Barcelona, em 1912. Foram três as obras publicadas na Espanha (as outras são “Redondilhas” e “Alegoria”), sempre com o título de Rimas de José Albano e a indicação em grego Emoi Kai Moúsais (para mim e para as Musas). É interessante lembrar que nesses opúsculos o poeta grafa cançam, coraçam, sam, etc., o que levou Péricles Eugênio da Silva Ramos, ao incluí-lo (a nosso ver indevidamente) na antologia Poesia Parnasiana (1967), a observar que “o poeta gostava de reforçar a impressão de classicismo português”. Devia pensar assim o poeta, mas o facto de haverem sido esses vocábulos actualizados na sua Antologia Poética, de 1918, mostra-nos que também o recurso serviu para contornar um problema tipográfico, mesmo porque, em 1912, o nome Camões vinha grafado à espanhola: Camoens.
Se consideramos indevida a inclusão de José Albano entre os parnasianos (mais precisamente neoparnasianos), igualmente discordamos de seu enquadramento no Simbolismo. Na Apresentação da Poesia Brasileira (1957), Manuel Bandeira (que fora o redescobridor do poeta, reunindo-lhes as Rimas em 1948) o considerara “inteiramente fora dos quadros da poesia brasileira”. Entretanto, na Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Simbolista (1965), ele incluiu o poeta cearense. A nós nos parece que nem o gosto pelo classicismo lusitano basta para lhe conferir características parnasianas (como pensava Péricles Eugênio) nem a espiritualidade de sua inspiração permite seja ele considerado um simbolista (como pensava Bandeira). Figura naturalmente original e excêntrica, e com uns traços de genialidade vizinha da loucura (que iria nublar-lhe o fim da existência), José Albano tinha aversão ao seu tempo e se refugiava num classicismo que a muitos parecerá procurado, mas que constituía o mundo mesmo do poeta, cujos sonetos seguiam rigorosamente o esquema camoniano, e cuja obra contém ainda o vilancete, a trova, a esparsa, a endecha, o oviolejo, etc. Numa de suas “Cantigas”, confessa: “Já quis tentar formas novas, / Foi mais ou menos em vão. / Hoje nestas velhas trovas / Falará meu coração.”
Esta 3a edição das Rimas traz, além do prefácio e de uma crônica de Manuel Bandeira, páginas de João Ribeiro, Luís Aníbal Falcão, Tristão da Cunha, Théo Filho, José Sombra, Agrippino Grieco, Antônio Sales (um prefácio não utilizado para as Rimas), Tristão de Athayde e Braga Montenegro, o que dá ao leitor de hoje uma idéia não só de como o poeta era visto por seus contemporâneos como também do apreço que demostram pela sua obra os críticos que dela trataram.
Quando da explosão do Modernismo no Brasil, disse alguém ser preferível um mau poema modernista a um bom poema passadista. Hoje é interessante confrontar esta afirmação com esta outra, de Manuel Bandeira, a quem ninguém poderá negar o título de vanguardista: “José de Abreu Albano foi um altíssimo poeta”. Razão por que consideramos extremamente oportuna esta reedição das Rimas, cuja grandeza está acima dos problemas de gosto e de tempo.