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Não há como negar a importância que desempenharam na literatura paraense as revistas editadas nas décadas de 1910, 20 e 30, facilitando aos jovens a divulgação aos seus trabalhos, principalmente dos poetas, muitos que se tornaram grandes no cenário nacional, a revista Terra Imatura, fundada, dirigida e coordenada pelo espírito irrequieto e corajoso de Cléo Bernardo, e um grupo de jovens estudantes de Direito que o acompanhava nessa arrojada empreitada, sempre na vanguarda. Um desses poetas, jovem à época, hoje falecido, foi Wladimir Emanuel (1904 -1967).
Em Belém fez os seus estudos de primeiras letras e de humanidades. Cedo penetrou nos meandros da imprensa e da poesia. Concorrendo a um prêmio na Academia Brasileira de Letras, teve que dividi-lo com a jovem Cecília Meireles, a escolhida por um grupo de imortais. Foi pessoalmente receber a láurea e não mais voltou do Rio de Janeiro, o centro cultural que atraía aqueles mais dotados e mais afoitos. Mesmo do Rio mandava sempre suas novas produções para as revistas do Pará. Retornou esporadicamente a Belém, para aliviar as saudades da terra, das comezainas especiais, dos amigos. Faleceu em 1967.
A revista Belém Nova n.º 50, de 2 de janeiro de 1926, resolveu publicar alguns sonetos sobre os meses do ano, conferindo a tarefa a doze poetas diferentes: “Janeiro”, Rocha Moreira; “Fevereiro”, Luiz Gomes; “Março”, De Campos Ribeiro; “Abril”, Ribeiro da Costa; “Maio”, Farias Gama; “Junho”, Orlando de Moraes; “Julho”, Clóvis Gusmão; “Agosto”, Carlos Valenciano; “Setembro”, Ernani Vieira; “Outubro”, Wladimir Emanuel; “Novembro”, Olavo Nunes; e “Dezembro”, Lindolfo Mesquita. Wladimir Emanuel, poeta paraense, aproveitou o mote para enaltecer a Virgem de Nazaré e os festejos que são levados a efeito e que contaminam a alma dos paraenses, sejam eles de qualquer religião ou crença. “Outubro” é a da Santa de Nazaré. Este o soneto que o poeta apresentou, síntese belenense no mês de outubro.
Wladimir Emanuel era filho do jornalista, escritor e poeta Álvares da Costa, idealizador da APL, que pertenceu algum tempo à A Província do Pará e foi locutor de rádio. Tem estado esquecido das novas gerações, muito embora formasse entre os inovadores da literatura no Pará, movimento encetado por Abguar Bastos, Bruno de Menezes e sua revista Belém Nova, a vanguardeira das idéias que se propagavam em São Paulo e que Joaquim Inojosa, do Recife, fazia florescer no norte e mesmo em Belém do Pará. Não foi possível saber o que produziu depois que se retirou do meio cultural paraense e da influência que pode ter recebido do prêmio da Academia, dividido com a notável Cecília Meireles, que, então, ainda crescia. Fica aqui a lembrança de seu nome para que outros, seus amigos, ampliem e completem o quanto faltar. Pororoca, encontrado na Antologia da Cultura Amazônica, de Carlos Rocque, é o poema que lhe deu o Prêmio da ABL.
Livros: Veredas (Belém, Revista da Veterinária, 1957), e Pororoca (inédito até hoje).
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
POROROCA
Quietude sobre o rio.
A água que vaga, plange, em suave murmúrio,
Por entre os cacuris e muruados da beira.
De bubuia, na larga e repolida esteira,
O cadáver de um tronco enorme vem descendo…
Folhas em derredor formam cortejo horrendo…
Nos densos aningais, miríades de bolhas
Põem lágrimas de luz no amplo colo das folhas
A própria passarada, inquieta, silencia…
Tudo parece ter
Preguiça de viver.
Na sonolência do ar, uma brisa vadia
Sobe e assanha o penacho heril dos açaizeiros…
Desce e canta aos mangais cateretês brejeiros…
Já pela várzea extensa, a sombra se derrame
Qual fabuloso altar do crepúsculo em chaga,
Descortina-se, longe, a silhueta de um monte
E o sol, demônio em fuga, incendeia o horizonte.
Súbito, espoca no ar o barrascoso estrondo!
E do meio do rio em fervedouro hediondo,
Ergue-se o paredão de uma onda indescritível.
Grimpa o rio, num lance, o seu máximo nível.
E estuando, a massa turva, em atrôos e roncos,
Arrasta a canarana e a igarité ligeira,
Que o caboclo amarrou no pé da seringueira,
No perau, diz a lenda, a boiuna desperta
Estraçalha os cipós, surge à tona, liberta,
E no arranco bestial, transforma-se nessa onda
Que se enovela e espuma e escoroando estronda,
Mata a dentro retumba o estrondo dos banzeiros,
Pirizais e igapós, a bicharada, tonta,
Foge, em doido tropel, ao rebôo que amedronta.
Léguas além se escuta o estridor forminando.
E o barrento caudal da pororoca, troando,
Em minutos avança inumeráveis milhas,
Arrasa os cacuris, enfrenta, investe as ilhas,
Quebra-se em pelotões, recompõe-se, violenta,
Em novelos, em massa, em linha pardacenta,
E escachoando e refluindo em luadas cascatas,
Ruge, estruge, rolando, enfurecida e turva!
Mais adiante, inviesou, convergiu, recresceu
E trovoando, infernal, galopou sobre a curva
E desapareceu…
AO SAIR DA LUA
(fragmento)
Dês que a noite giboiou a luz da tarde
todo o igapó pegou a bagunçar…
O fordunço azoinante retine no espaço…
Parece que é ladainha
no aniversário da garça…
Ou, talvez, espoletada de medo.
A bicharada delira,
se desmantela no berreiro
pr’assustar o curupira…
Saracura estridula, sem pausa, sem dó
Siricó! siricó! siricó!
E é como um chicote que estala
nas ancas da escuridão.
E o sapo-boi zambumbando
lu, bum… tu-bum…