Seleção de obras e autores da Graphia Editorial.
Todos os posts na categoria Antonio Juraci Siqueira
Antonio Juraci (Almeida) Siqueira nasceu em 1948 em Cajary, município de Afuá, estado do Pará, onde, ainda menino, tomou contato com a literatura através dos folhetos de cordel. Licenciado Pleno em Filosofia pela UFPA, pertence a várias entidades literárias, entre as quais a União Brasileira de Trovadores, Academia Brasileira de Trova, Associação Paraense de Escritores e Malta de Poetas Folhas & Ervas. Colabora com jornais e boletins culturais de Belém e de outras localidades, ministra oficinas de literatura, participa de performances poéticas e detém mais de uma centena de prêmios literários em âmbito nacional e estadual. Livros: Verde Canto. Poesia. 1981; Travesseiro de Pedra. Poesia. 1986; Piracema de Sonhos. Poesia sobre temática regional. 1987; Os Versos Sacânicos (versos humorísticos). 1989; Estrelas de Quatro Pontas. Trovas. 1989; Espelhos & Punhais. Poesia. 1991; Brasão de Barro (poemas amazônicos). 1992; Juraci Park (fábulas e versos picantes). 1977; Histórias Caboclas (ao molho de malagueta). 1997 e O Roubo da Bunda (histórias do arco da velha). 2000. Vários folhetos de cordel, entre eles O Chapéu do Boto, O Bicho Folharal, O Homem Daquilo Roxo, etc. Participa de dezenas de antologias e coletâneas.
***
Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
BRASÃO DE BARRO
Minha Amazônia
te quero tanto
que na ânsia louca
de defender-te
habito as noites
te boiunando,
curupirando
teu sono. E assim,
com fios de insônias
teci meu manto
e fiz do pranto
cetro e coroa.
À meia-noite
virei meuã
e coroei-me
no alvorecer.
Rei sem vassalos,
sem ouro e armas,
rei de mim mesmo
para servir-te
com meu cantar.
De sonho e palha
fiz meu castelo
e de incertezas
meu amanhã.
Em vez de escudo
trago no peito
um mandingueiro
muiraquitã.
Sigo a galope
rumo às origens
no dorso alado
da Estrela D’Alva.
Do mesmo barro
que no Princípio
Deus fez o homem,
em meus delírios
de soberano
fiz meu brasão.
Depois que tudo
for consumado,
quando somente
restar o Verbo
da Criação,
junto estaremos,
brasão e homem,
unificados
no pó sagrado
deste rincão.
INSÔNIA
Porque dentro da noite ouvi o pio
soturno de um bacurau faminto
tirei meu olho esquerdo da gaveta
e o guardei no fundo da existência
de onde sairá nos dias cinzentos
para me dizer se viu a vida
boiando entre porquês e canaranas
nas águas deste rio onde a Iara
menstruada se banha onde a Boiúna
vem parir toda manhã mais uma lenda.
Depois de sete dias virei meuã
e malinei com todos os desejos
e afoguei no igarapé os meus segredos
ocultos entre as flores desbotadas
da natureza morta do meu quarto.
Agora passo as noites perseguindo
os cães vadios que entraram no meu sono.
Às vezes adormeço mas não sonho
pois tenho um grito rouco e dolorido
bordado na lapela do meu terno.
TROVA
Ensina sempre a teu filho
esta lição primorosa:
– a mão que aperta um gatilho
pode plantar uma rosa.
TRAVESSEIRO DE PEDRA
Sou uma sombra caminhando sobre
a fímbria dessa luz que te encandeia
na senda da existência onde caminhas
à procura do Ser – verbo incriado
Transmito no meu canto o que me dita a pedra
o que me dita o mar, o fogo e o vento
mas sem deixar de ser um só momento
o próprio vento, o fogo, o mar e a pedra
Cavalgo ave-marias carrego estrelas
no saco de dormir e às vezes canto
uma canção azul para ninar meus sonhos
Um dia partirei sem despedidas
num raio de luar ou num cometa
e para que não sigas meu caminho
não deixarei pegadas na soleira
nem marcas digitais sobre a janela
Deixar-te-ei porém meu travesseiro
de pedra minha pena e minha insônia
para que possas aprender sozinho
a inventar a vida e encantar serpentes
a desnudar verdades rasgar horizontes
tecer madrugadas e deitar sementes
de poesia no ventre das manhãs cinzentas