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Padre da Igreja Católica, Ápio Campos (Belém, 1927) fez os estudos secundários no Instituto Nossa Senhora de Nazaré, dos Irmãos Maristas, e cursou o Seminário Metropolitano Nossa Senhora da Conceição, concluindo Teologia em 1949. Foi ordenado padre aos 23 anos. Na vida eclesiástica foi elevado à categoria de Cônego. Devotado à literatura, à poesia, ao conto, ao ensaio, às crônicas e ao jornalismo. Professor titular aposentado da UFPA e coordenador (licenciado) do curso de Teologia da UNAMA, além de membro da APL. Em 1957, após vencer vários concursos literários da APL foi eleito para a cadeira que pertenceu a Manuel Barata. Escreveu livros de temática sacra e como jornalista atuante criou o programa religioso de rádio “A Hora do Ângelus”. Escreve crônicas domingueiras sobre os mais variados assuntos no jornal O Liberal.
Ápio Campos sublima no verso e no canto todo o encantamento de seu mundo interior. O livro Sangue nas Pedras não é um “livro de padre”, pelo menos de um padre preso aos cânones da Igreja. Ele mesmo, sentindo ser o livro forte – para um padre – na introdução, oferece algumas perguntas do que deveria ser uma “poesia de padre”:
“Que posição deve assumir o Padre perante o Poeta? Vocacionado por ela, deve ele resistir aos seus apelos, em nome da suposta incompatibilidade entre o sagrado do seu ministério e o profano da criação poética? Ou deve responder ao seu determinismo com acentuada limitação nas opções verbais, na severidade da temática, dentro de uma seleção emotiva e vivencial que não comprometa a sua imagem eclesiástica e o seu perfil desencarnado? Por outras palavras, deve o padre-poeta, em virtude de qualquer norma ética ou de qualquer incontaminação verbal e expressional, fazer apenas ‘poesia de padre’? É a plena libertação nas letras. O poeta, em meu entender, não tem limitações. Tem o direito de sonhar, de conceber o inconcebível, de viajar por mares nunca dantes navegados”.
Livros: Marítimas, Poesia. Belém, Falângola, 1955. Aquele Padre Velhinho. Ficção. Belém, Imprensa Oficial do Estado, 1956. Cítaras em Surdina. Poesia. Belém, São José, 1957. Menção Honrosa da APL. Olhos dentro da Noite. Contos. Belém, Falângola, 1960. Canto Agônico. Poesia. Belém, Falângola, 1960. Pastoral das Sombras. Poesia. Belém, Imprensa Universitária, 1965. Fandango. Contos. Belém, Falângola, 1967. Transpoema. Poesia. Belém, Imprensa Universitária, 1979. O Verbo e o Texto. Estudos Lingüísticos e Literários. Belém, Falângola, 1970. Árvore do Tempo. Coletânea de poesia. Belém, Falângola, 1980. Universidade: Linguagem e Desenvolvimento. Ensaios. Belém, Imprensa Universitária, 1980. Trevos e Travos. Trovas. Belém, Falângola, 1982. Cantigas pro Menino. Poemas de Natal. Belém, Publicação Colégio Ideal, 1995. Marítimas. Poesia. Belém, Falângola, 1995. Os Anjos Descem no Rio. Contos. Belém, Gráfica Universitária, 1996. Ponte sobre as Horas. Poesia. Belém, CEJUP, 1999.
Convém esclarecer que, no livro Árvore do Tempo, coletânea de poemas extraídos de todos os livros anteriores de poesia, foram inseridos poemas de dois livros inéditos até hoje e escritos no tempo de seminário (Claustro e Noite Cabocla) que o autor não pretende publicar mais.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
MAL DE AMOR
Andei à tua procura o mundo inteiro,
em teu encalço vi regiões estranhas,
mil voltas fez à terra o meu roteiro,
sobre mares, abismos e montanhas.
Pistas, indícios, sombra… – um pesadelo,
brincas de “corre-atrás”, “vê-se-me-apanha”;
teias de solidão tecem-me aranhas
penduradas no céu do setestrelo.
Alteio-me, volátil ectoplasma,
busco saber de ti com algum fantasma,
e dos sepulcros leio cada lousa.
Mas de todos escuto a mesma cousa:
ou aqui ou no além é vã a procura,
– que mal de amor nem mesmo a morte cura!
DEUSAS
O pássaro da noite fez seu ninho
nas copas ramalhudas. Em sussurro
flores cantam encantos e magias
e acalentam o sono de Semele.
E no mármore frio do Templo, efebos
prisioneiros do ergástulo faustoso
têm sonhos de pelejas amorosas
entre cetins e sedas do Oriente.
Nas sombras da floresta o pio do mocho
arrepiante e lúgubre desperta
o medo de um abismo indesejado
que os cavalos transpõem de um salto e levam
o ardor guerreiro, a lança e o seio arfante
das indomáveis deusas sem amores.
E os dez demônios urram subjugados!
O TIGRE
Surgem formas azuis, bizarras flores,
selva de carne exuberante, frias
radículas viçosas e macias,
e pomos de dulcíssimos sabores.
Corolas rubras de paixões, rumores
de pétalas abrindo-se, querias
de harpas ouvir talvez as melodias
para fremires êxtases de amores.
Mãos de seda suavizam o tato quente
e desprendem volutas de acre incenso
que gera delirante e opiácea gula.
E então, dentre a folhagem, de repente,
salta um tigre, arma o bote e cresce imenso,
e arqueja, e baba, e freme, e afinal pula!