Seleção de obras e autores da Graphia Editorial.
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Além de grande poeta, Joaquim Francisco Coelho (Belém, 1938) é excelente crítico. Transferindo-se para os Estados Unidos da América do Norte há vários anos, foi professor de literatura luso-brasileira e espanhola na Universidade de Stanford, Califórnia, anteriormente, e hoje é catedrático de literatura luso-brasileira e comparada da Universidade de Harvard.
Tem muitas obras publicadas sobre escritores relevantes, entre os quais Virgílio, Camões, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Sena e Jorge Luís Borges.
Fora estes livros de ensaio e crítica do estudioso sério que Joaquim Francisco é, encontra-se no prelo um seu livro de poemas intitulado Os Meus Orfeus, seleção de peças celebratórias (tanto éditas quanto inéditas) da obra e da personalidade criadora de escritores e artistas que lhe são particularmente familiares. Pertencem a este livro inédito os poemas que aqui se apresentam nesta antologia de poesia paraense, selecionados pelo próprio autor, a meu pedido insistente.
Joaquim Francisco Coelho: poeta, crítico, professor. Em todas estas áreas em que atua, com louvor, nos dá motivos de sobra para, como brasileiros e paraenses, nos orgulharmos da brilhante carreira que ele desenvolve lá fora, protótipo da inteligência e da criatividade brasileiras tão nossas.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
NA MORTE DE DAVID MOURÃO-FERREIRA
Sob a luz do seu verso adamantino
a paisagem do corpo se encantava
o púbis era bosque e labirinto
eram dunas de sonho ancas e nádegas
era como se um mesmo fogo infindo
ardesse em cada amante a mesma brasa
era como se a carne fosse um hino
hino em que a voz da carne fosse alma
era por sobre a cama em torvelinho
o próprio amor fechando e abrindo as asas
NA MORTE DE JORGE LUÍS BORGES
Com teu passo de cego e tua bengala
tu ascendes ao último recinto
buscando pelo tato e pelo instinto
penetrar o segredo desta sala
Aqui se encontra a sombra que não fala
aqui te aguarda o Tempo agora extinto
aqui o construtor do labirinto
abre-te a porta ao Livro da Cabala
Entras e vês (por trás da tua cegueira)
que o mistério da sala derradeira
jaz no livro e no rosto que ele tem
No livro em cuja estranha cercadura
a tua face de Borges configura
o semblante de Deus – cego também
O MORTO IMORTAL
Na morte de Carlos Drummond de Andrade
Liberto da matéria e do finito
és o morto imortal na madrugada
estátua além do tempo imperturbada
em teu mais puro sonho de granito
Soprada a luz concluso o manuscrito
és a branca palavra sem mais nada
és a rima de dor petrificada
és boi lunar nos campos do teu mito
Foste a mão foste a pena foste o poeta
que com ferro tenaz desceu mais fundo
ao chão da nossa angústia mais secreta
e agora és no alto azul do espaço triste
o verso que soluça e que persiste
no coração da máquina do mundo
Agosto 1987
MáÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
A Massaud Moisés
e Vasco Graça Moura
Um pouco mais de azul te desejavas
onde em alma eras bruma e vida em vão
um pouco mais de luz foras clarão
um pouco mais de sol arderas brasa
aos deuses que barganham quanto dão
içaste as brancas mãos alucinadas
e viveste morrendo entre palavras
a dor de ser naufrágio e negação
oh trovador sonâmbulo do nada
narcisa esfinge em sonho ensimesmada
orfeu sombrio amando-se bufão
as rosas fugitivas que beijavas
a céus em fogo alçaram-se levadas
nos versos da tua louca dispersão
RESPIRAR PELA ÁGUA
Para um livro de João Rui de Sousa
Não só gravar no tempo o azul do mundo
em versos de cristal e claridade
ardendo entre vocábulos profundos
mas ouvir pela noite – rocha densa –
a vida em seu fermento de raízes
quando a fonte respira e as águas pensam
AUGUSTO DOS ANJOS
Por certo foi orfeu dos mais esdrúxulos
este vate da carcassa e do cuspo:
onde o corvo de Poe ele antevia
o urubu da sua negra poesia
e do corpo versava em termos brutos
o que nós só com límpidos escrúpulos
ANIVERSÁRIO
Lembrando a minha mãe Celina
Faz hoje cinco anos que morreste
Faz hoje cinco anos que morri