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Bento Bruno de Menezes Costa (Belém, 1893-1963), filho primogênito de pais pobres, apenas pôde fazer o curso primário. Menino ainda, foi aprendiz de encadernador, tendo como companheiro de ofício Tó Teixeira, que viria a ser mestre de violão e grande nome da cultura popular paraense. Nessa oficina Bruno tomou contato com livros literários, que o despertaram para o saber e o gosto da leitura. Com essa paixão a acompanhá-lo, tornou-se autodidata.
Funcionário público estadual do Tesouro do Estado e depois da Secretaria de Agricultura, apaixonou-se pela doutrina cooperativista, vindo a ser Diretor do Departamento Estadual de Cooperativismo, cargo em que se aposentou em 1955.
Fundou em 1923 a revista Belém Nova, congregando grupo de jovens intelectuais e propagando a nova corrente poética da Semana de Arte Moderna de 1922, de São Paulo, e, através dela (conforme autorizado depoimento de Joaquim Inojosa, historiador do Modernismo do Norte e Nordeste), Belém do Pará foi a terceira capital a aderir ao Modernismo no Brasil, o que faz de Bruno de Menezes pioneiro desse movimento na região. A coleção da Belém Nova, quatro volumes de 1923 a 29, encontra-se para consulta na Academia Paraense de Letras.
Membro da APL, tendo sido seu presidente, pertencia também ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e à Comissão Paraense de Folclore.
Livros: Poesia – Crucifixo (1920), Bailado Lunar (1924), Poesia (1931), Batuque (1931), Lua Sonâmbula (1953), Poema para Fortaleza (1957) e Onze Sonetos (Prêmio Cidade de São Jorge dos Ilhéus, Bahia, 1960). Folclore – Boi Bumbá (Auto popular. 1958) e São Benedito da Praia (Folclore do Ver-o-Peso. 1959). Estudo Literário – À margem do “Cuia Pitinga” (Estudo sobre o livro de Jaques Flores. 1937). Ficção – Maria Dagmar (Novela. 1950) e Candunga (Romance. Prêmio Estado do Pará, 1954).
Tem ainda dezenas de poesias esparsas e outros numerosos trabalhos sobre folclore paraense e cooperativismo, publicados em jornais e revistas. Faleceu de infarto do miocárdio, aos setenta anos, em Manaus, em 1963.
Segundo Francisco Paulo Mendes, na edição das Obras Completas de Bruno de Menezes, 1993, sua poesia, ao captar novas harmonias, novos ritmos e timbres da música negra, transpondo-os para os versos sugestivos de Batuque, foi uma descoberta para a construção de uma poética original e regional, modernismo bem nosso.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
ALMA E RITMO DA RAÇA
A luz morde a pele de sombra e os cabelos
lustrosos quebrados da cor sem razão.
E os seios pitingas, o ventre em rebojo,
as ancas que vão num remanso rolando
no tombo do banjo.
A luz tatuou a nudez de baunilha
do corpo que cheira a resinas selvagens.
Botou-lhe entre os beiços de polpa mangabas
um quarto de lua mordido sorrindo.
No rosto crioulo dois sóis de jarina
brilhando nos olhos.
… E o sumo baboso espumoso, meloso,
da fruta leitosa rachada de boa!
A carne transpira… E o almíscar da raça
é o cheiro “malino” que sai da mulata.
O banjo faz solo no fim do banzeiro:
– lundus choradinhos batuques maxixes.
E os braços se agitam, se afligem batendo,
as coxas se apertam se alargam se roçam
os pés criam asas voando pousando.
É o C o n g o L o a n d a
A n g o l a M o ç a m b i q u e
É o s a n g u e z u m b i
t e n t a ç ã o d o p o r t u g u ê s
As mãos vão palpando o balanço dos quartos,
subindo pra nuca com os dedos fremindo,
rolando o compasso no fim da cadência.
Não é candomblé não é “Santa Bárbara”,
nem banzo banzado bom carimbó bolinoso;
– bailado benguela de gente sem nome
que agora machuca as “sinhora” e os “sinhô”.
Rodando ela faz o melexo de tudo
no tal peneirado das carnes macias…
Todinha canela em polvilho cheiroso,
folha seca de fumo enrolado no sol,
sua boca rescende a acidez que amortece.
Seu corpo que é todo que nem pau d’Angola
deve ter gostosuras de morte pedida
depois de dançar…
E o branco sentindo xodó pela preta,
agüentando a mareta gemendo no fungo,
bem quer e não pode mas vai de teimoso
se acabar no rebolo da bamba africana…
A luz morte a pele de sombra e os cabelos
lustrosos quebrados da cor sem razão.
Também se fartou de cheirar cumaru
nos bicos dos peitos da preta inhambu.
E o banjo endoidece tinindo nas cordas
tantans retesados
O corpo viscoso se estorce nas pontas
dos pés maxixeiros.
A luz vai sumindo… E o banjo nos lembra
dos filhos do engenho, da escrava, da Izaura
tão dungo no dengo
que é dom desta raça cotuba no samba.
… E fica rolando no espaço escurinho
o cheiro aromoso, o sumo baboso,
da fruta leitosa rachada de boa!…