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Nascido no Pará, na cidade de Abaetetuba, em 1949, Celso de Alencar está radicado em São Paulo desde 1972. Atualmente é assessor na Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo.
Participou de grupos de poesia, incluído em inúmeras antologias poéticas, como Folhetim (SP, 1979), Ensaio IV (com o grupo Poeco-Só Poesia. SP, 1980), Papel Arroz (SP, 1981), Ensaio V (SP, 1981), Água I (SP, 1982).
Tem quatro livros individuais. No mais recente, J. B. Sayeg, que o prefacia, diz, em Os Reis de Abaeté, que Celso de Alencar estabelece seu mundo poético a partir do seu inventário de nomes, lugares, palavras. Fiel às raízes paraenses, que nunca abandonou, apesar de distante da terra natal, o poeta canta Abaeté (que não é a lagoa escura de Caymmi, mas o reino onde se encontram os que sonham). Abaeté fascina e cativa porque entre o chão e as nuvens estão os espíritos, reino imponderável em que a imaginação do poeta flutua.
O poeta, este aqui, levantou alguns prêmios literários, como o prêmio no concurso de poesia falada, promovido pela hoje extinta revista Escrita, de São Paulo, editada na época pelo escritor e jornalista Wladir Nader.
Livros: Tentações. Poesia. SP, 1980; Salve Salve. Poesia. SP, 1982; Arco Vermelho. Poesia. SP, 1983. 2.ª ed. 1985; Os Reis de Abaeté. Poesia. SP, João Scortecci, 1987. Prefácio de J. B. Sayeg. Capa e ilustrações de Branco; e O Primeiro Inferno e Outros Poemas. Poesia. SP, 1994.
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Do livro Poesia do Grão-Pará (Rio, Graphia, 2001, seleção e notas de Olga Savary)
OS REIS DE ABAETÉ
(Fragmentos)
Talvez não saibas
que os barcos não
colidiram
e que os netos de
Mestre Ambrósio
malgrado o forte
vento e a forte
chuva,
descansam no cais.
Talvez não saibas que foram muito
longe.
Trinta rios em quarenta e cinco
noites.
Nos porões trouxeram
carne
de tingas e açus.
Na beirada do porto e do
canal,
os moleques e os
urubus
alinharam-se e espreitaram a
descarga.
A cambraia que lhes escondia as
costas,
não lhes escondia os
bustos.
Eram seios grandes e
amorenados,
bem menos rígidos que os
teus.
A carne veio salgada de
Breves e Santarém.
Das vilazinhas trouxeram:
couros, mel, açúcar grosso,
batata, cacau e
maraçanduba.
Se estivesses lá,
terias apreciado
os perfumes e as sedas
de Paramaribo e
Caiena.
Terias gostado dos
anéis,
dos brincos, das
pulseiras,
os miados dos três
gatos.
Seus dois filhos
estavam juntos.
Nos seus calções
branquinhos
ainda lia-se o nome do trigo
Santa Marta.
Remelentos e babões.
Levavam:
bacaba,
farinha,
sardinha enlatada e
camarão.
O velho:
não larga a mania de
injuriar.
Hoje na casa de
Celeste
deverá ter
baile.
Suas meninas,
inclusive, Esmeralda, Jovina e
Nelma;
com seus trajes do
inferno
e com as caras
avermelhadas do cão,
matarão as
abelhas
e engolirão o mel
amarelado.
É a nova filha da
rameira-mãe do
Paturi.
Amanhã, a loja do
Matias
e o bar do
João Marques,
mostrarão as
novidades.
Teremos as reuniões
familiares.
Certamente falarão em desvios de
verbas
ou em amantes
flagradas.
Nada dirão em tom mais
alto
porque em Abaeté não se
fala
de prefeito, bispo ou
delegado.
Quantos sois já
vimos,
nos teus sessenta e nos meus
vinte?
Nada teve valia, tudo foi
torpe.
Das quatro portas da farmácia de
Madalena,
apenas duas, as duas centrais, são
abertas.
Fede a azedo e
enxofre
a vala da Rua
Tucumanduba.
Onze postes de nossa mais antiga e
longa
avenida estão criando mato e
incupinzando.
Em que tom falarão as nossas
queixas?
O presente é morno e
corrompido.
Ria podre.
Como todos do
poder.
Não lembras que quatro
mortalhas
tiveste em tua
porta?
Não convém falar-te dos
pecados.
Não dos pecados de
morte
e sim, dos de
roubo.
Aqui nada é puro.
O confessionário,
o coreto,
as filhas-de-maria,
nem a batina do
padre.
Os segredos de
Abaeté
são segredos teus
também.